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Amilton Kufa
Sobre o autor
12/12/2018 - 16:09

A questão de fundo desta demanda, trata de inovação trazida pela Reforma Eleitoral de 2015, que, através da Lei nº 13.165, previu no artigo 4º a alteração do caput e parágrafo único do artigo 108, do Código Eleitoral, estipulando limite mínimo individual de votação de 10% do quociente eleitoral, o denominado “pedágio eleitoral”, para preenchimento das vagas resultantes das eleições aos cargos proporcionais (deputados estaduais, federais e vereadores), afetando, assim, as eleições de 2018.

Eis o teor da norma alterada:

“Art. 108.  Estarão eleitos, entre os candidatos registrados por um partido ou coligação que tenham obtido votos em número igual ou superior a 10% (dez por cento) do quociente eleitoral, tantos quantos o respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido.
Parágrafo único.  Os lugares não preenchidos em razão da exigência de votação nominal mínima a que se refere o caput serão distribuídos de acordo com as regras do art. 109.”

Veja que, conforme artigos 106 e 107 do Código Eleitoral, o quociente eleitoral é obtido dividindo-se os votos válidos de cada eleição proporcional pelo número de vagas em disputa, ocasião em que, para se obter o quociente partidário, partidos e coligações dividem o número de votos válidos recebidos pelo quociente eleitoral.

O texto anterior trazia a seguinte previsão:

“Art. 108.  Estarão eleitos tantos candidatos registrados por um Partido ou coligação quantos o respectivo quociente partidário indicar, na ordem de votação nominal que cada um tenha recebido. (Redação dada pela Lei nº 7.454, de 30.12.1985)”

Desse modo, com base no novo critério, é possível que um partido ou coligação que possua candidatos “medianos”, mesmo que ultrapasse em muito o quociente eleitoral, não faça jus a nenhuma vaga, o que traz grave distorção para o sistema proporcional, que visa a união de forças políticas e de salvaguarda do direito das minorias no cenário político democrático.

A título de exemplo, nas eleições de 2014, de acordo com informação constante do Tribunal Superior Eleitoral, o quociente eleitoral no Estado de São Paulo foi de cerca de 314 mil votos, o que nos leva a conclusão de que um partido ou coligação que possua 100 (cem) candidatos para o cargo de Deputado Federal, com votação nominal de exatos 20 (vinte) mil votos cada um, embora alcançasse cerca de seis vezes mais o limite do quociente eleitoral, não elegeria nenhum representante para a Câmara dos Deputados, o que viola frontalmente os princípios e lógica da democracia representativa, fundamento de nossa República.

Para corroborar com a desproporcionalidade da previsão, uma vez que o artigo em questão exige o limite mínimo individual de 10% do quociente eleitoral, novamente, a título de exemplo, se a legenda tiver 10 candidatos medianos e todos eles alcançarem o limite individual mínimo exigido, a soma dos votos deles só será suficiente para eleger um único representante.

Não bastasse, referida previsão torna sem sentido a garantia do voto na legenda partidária, uma vez que a somatória dessa espécie de votação não mais garantirá o preenchimento de qualquer vaga no Parlamento aos partidos ou coligações.

Não há razões que justifique a previsão da norma em questão, uma vez que o sistema proporcional se pauta pelo somatório da votação total obtida por partidos ou coligações, visando prestigiar a força representativa partidária ou da coligação, o que nos leva a conclusão que essa regra é totalmente inconstitucional por ofender frontalmente a democracia representativa e, por consequência, a soberania popular, levando a um quadro de enorme distorção e desperdício de votos válidos.

Dessa forma, essa previsão é totalmente contrária ao que prevê nossa Constituição, trazendo ofensa direta ao regime democrático, previsto no artigo 1º, parágrafo único, da Carta Magna e ao sistema proporcional, previsto no artigo 45, caput, da mesma norma, causando o enfraquecimento da soberania popular e da democracia representativa.

Conforme preceitua Frederico Alvim, acerca do mecanismo e importância do sistema proporcional

[…] os cargos são distribuídos aos candidatos em proporção igual à dos votos conquistados pelos partidos políticos pelos quais concorreram. Radica em uma lógica bastante diversa do sistema majoritário: a atribuição, a cada partido ou lista concorrente, de um número de candidatos determinado em função direta da respectiva expressão eleitoral (leia-se: número de votos), proporcionando uma repartição equitativa dos mandatos entre os diversos concorrentes.
[…]
O primeiro e principal benefício oferecido pelo sistema proporcional é a ampliação da representatividade: permite que os órgãos de Estado espelhem a diversidade de opiniões situadas no espectro social, estimulando e mantendo vivo o pluralismo político. É, portanto, um método que prima pelo reconhecimento do poder de representação das minorias. Apresenta também como vantagem o fato de que confere idêntico valor a todos os votos, eis que imprime eficácia equivalente a todas as manifestações apontadas nas urnas. […] Para que sua vontade seja materializada, a única coisa que se exige é que outras frações a ela se juntem, para que entre si constituam uma unidade. Quando essa vontade está constituída, todos os votos opostos, por mais numerosos que sejam, não podem aniquilá-la. O sistema proporcional contempla ainda a conveniência de prestigiar a atuação dos partidos, tidos como essenciais para o desenvolvimento e para a manutenção das democracias. Finalmente, favorece o sistema de checks and balances, por contribuir para a dispersão do poder.

Nítido que a restrição introduzida pela norma em debate subverte a lógica do sistema proporcional, uma vez que contribui para o desequilíbrio da representação popular nas casas legislativas, trazendo graves distorções das composições partidárias, ofendendo, dessa forma, de modo frontal, o regime democrático e o sistema proporcional trazido pela Constituição da República de 1988.

Vale destacar, assim, parecer da d. Procuradoria-Geral da República, nos autos da ADI nº 5.420/DF, in verbis:

Com exceção do pequeno percentual de candidatos que alcançam, sozinhos, votação equivalente ao quociente eleitoral (votos válidos divididos pelas vagas em disputa), a eleição para as casas legislativas é procedimento colaborativo, no qual o voto de um auxilia a eleição de todos da mesma grei ou da coligação. A vantagem desse sistema é buscar pôr foco no partido (e na ideologia ou forma de ação que o caracterizam, ou que o deveriam caracterizar) e somente a seguir no candidato. Justificam-se por inteiro o comando constitucional que veda candidaturas avulsas, as resoluções do Tribunal Superior Eleitoral nessa direção e, atualmente, a própria Lei 13.165, de 29 de setembro de 2015 (reforma eleitoral), no que definem o mandato parlamentar como pertencente ao partido.

Nas palavras do Ministro Dias Toffoli, na Medida Cautelar na ADI nº 5.420/DF, “no sistema proporcional busca-se, na distributividade que lhe é intrínseca, assegurar a participação das minorias nas cadeiras legislativas.”, o que a presente regra acaba por prejudicar.

O Procurador Geral da República, na inicial da ADI nº 5.420/DF, que questiona a previsão trazida pelo mesmo dispositivo, mas, naquela demanda, especificamente no que tange a alteração realizada nos incisos do artigo 109, afirma categoricamente a distorção da regra implementada. Na ação ele questiona a distorção na divisão das sobras, o que, ousamos afirmar, a reflexão é a mesma a ser feita para a disputa da primeira vaga. Vejamos:

Em adicional e autônoma distorção do sistema proporcional, o inciso I limita a distribuição de vagas remanescentes ao partido com candidatos que hajam alcançado o patamar de 10% do quociente eleitoral. Se o partido, embora com maiores votação e restos, não tiver candidatos que logrem tal percentual (imagine-se, por exemplo, que seus candidatos hajam sido igualmente bem votados, recebendo cada qual 9% do quociente partidário), ele não terá vez na partilha das vagas remanescentes.

Questionável, portanto, como pode não haver distorção inicial, uma vez que, como dito, se um partido, nas palavras do próprio Procurador-Geral da República, “…embora com maiores votação e restos, não tiver candidatos que logrem tal percentual […], ele não terá vez…” e isso vale em qualquer fase da apuração dos votos no sistema proporcional.

Veja que, o direito à participação política de todo cidadão e à equidade de tratamento, em especial entre os partidos políticos, fundamentam-se no princípio democrático, na igualdade de chances eleitorais, na soberania popular e no pluralismo político, que, como tal, encontra-se protegida enquanto liberdades republicanas, o que, segundo o mestre Jorge Miranda:

Essa liberdade igual ou igualdade livre, é sustentáculo de um Estado constitucional democrático de direito, como o nosso, que é, ao mesmo tempo, de direito (‘com sujeição do poder a princípios e regras jurídica’), e democrático (‘poder político legitimado pelo povo’).

Nesse contexto, o artigo 17, caput, da CRFB/1988, não traz qualquer distinção entre os partidos, razão pela qual dificultar ou impedir o direito de qualquer deles, desequilibra a sadia competição eleitoral, pois atribui, em última análise, diferenciação totalmente desproporcional e desarrazoada entre os partidos com maior e menor expressão.

Portanto, regras isonômicas devem prever regras que fortaleça a igualdade na disputa e a promoção da equidade e fortalecimento de todos os partidos políticos, sem exceção, independentemente do tamanho e das forças políticas que o integram, e não o contrário, sob pena de perpetuação de uma verdadeira ditadura dos grandes e tradicionais partidos, já fortalecidos por outras regras, algumas por demais desarrazoadas.

Portanto, os argumentos acima expendidos compõem a causa de pedir da ADI 5920, cuja procedência temos convicção e por certo beneficiará o PSL, como outros partidos que estejam na mesma situação, vez que facilmente verificável que a restrição em questão é inconstitucional, pois acaba criando uma segunda cláusula de barreira, fazendo com que a lógica do sistema proporcional seja totalmente deturpada e divorciada da nossa Carta Magna, da democracia representativa, ofendendo gravemente o regime democrático (artigo 1º, parágrafo único, da Constituição da República) e, em último e mais elevado grau, a soberania popular.

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